w.,
fui assistir ao filme cisne negro. como você sabe que eu sou, saí do cinema impressionada, não exatamente com a arte produzida pelo diretor, darren aronofsky (nome que nem sei pronunciar), mas pelo sofrimento da bailarina, criatura frágil de personalidade por causa da mãe dominadora que fez da filha uma obcecada pela perfeição. nina (natalie portman).
se eu fosse fazer uma resenha técnica, o que não é o caso aqui, teria que começar relembrando do príncipe siegfried (do conto o lago dos cisnes – e de onde saiu a ideia para o filme em questão). quando o tal príncipe completaria a maioridade a mãe ofereceu uma festa, oportunidade para o tal siegfried escolher uma esposa entre as moçoilas conhecidas. sempre as mães metidas nesses arranjos e outros. No entanto vou ficar indo e vindo entre o lago dos cisnes e o cisne negro.
(imagem da internet)
bom, saí do filme pensando muito no problema da auto-mutilação, coisa que a gente mesmo faz a todo momento em nossa arte de viver. todo o suspense do filme é transportado da mente da nina para os nossos olhos quase assustados com a realidade psicológica da bailarina que tem todas as características necessárias para dançar o cisne branco apenas (doçura, pureza, submissão, etc). assim como a mãe do siegfried, a mãe da nina também domina e, como uma carcereira, policia a filha em casa e fora de casa pelo - vamos chamar de maldito – celular. na verdade a criatura deseja ardentemente ou raivosamente que a filha alcance o papel principal no balé. digo raivosamente porque ela mesma não conseguiu destaque na profissão, de também bailarina, por ter engravidado e deixado tudo para cuidar do bebê. aí se estabelece uma relação perigosa: a famosa relação de amor e ódio. de jogar a culpa dos “fracassos” no outro, fazendo deste seu eterno refém.
por que nina (no balé) e odette (princesa enfeitiçada e aprisionada por rothbart no conto lago dos cisnes) ficam fielmente submetidas aos aprisionadores? o príncipe também se deixa aprisionar. são fracos. têm medo dos tais enfrentamentos que nós, fora da ficção, também temos. o pobre do príncipe é solitário e vive o tédio provocado pelo sangue azul que lhe corre nas veias. a pobre da bailarina é solitária e deseja ser o cisne que não pensa e nem sabe que tem sangue, quanto mais vermelho! cor da encarnação, da vida com suas paixões que dão impulso cósmico para o necessário viver com todas as implicações que esse verbo exige. isso sem falar no também pobre do feiticeiro que amedronta com sua rapinice e dança negramente nas sombras de nina no palco. cara, to achando que todos são pobres, só agora que reparei nessa minha fala. (assunto pra outra hora). o fato é que todos os personagens precisam uns dos outros para se sustentarem, buscando o tal sentido da vida.
assistindo ao filme ao som de tchaikovsky vamos vendo as nossas próprias prisões (escolhidas por nós rsrsrs). e eu lá com minhas amigas vivendo tudo aquilo. e começando a dar tratos à bola, essa velha mania de ficar especulando e comparando...
sim, w., voltando aqui ao assunto do sofrimento da bailarina que tanto me impressionou - perfeita a atriz! – por causa da automutilação. menino, o que leva uma pessoa a se punir dessa forma? conheço uma assim. se coça tanto, se fere, se sangra e depois come os cascões da ferida. é verdade. conheço! talvez tenha sido por isso que me chamou tanto a atenção no filme: o comportamento destrutivo da bailarina. ela não comia os cascões, mas gostava de ver o sangue verter. no caso da nina do filme a gente pode até pensar no desespero de ter que se superar, afinal ela precisava – por obrigação a que se impôs – ser o que a pobre da mãe não pôde ser e a “torturava”. a solidão da alma humana é um problema espiritual, eu acho. talvez isso justifique os maus tratos infligidos a si mesmo. essa alma que projeta sobre o corpo físico as tais máculas perispirituais adquiridas em outros tempos ou adquiridas por energias deletérias às quais estamos expostos nesta vida, assim dizem os entendidos nesses assuntos.
bom, mas o filme vai caminhando... e eu nele, mas continuando a sentir a dor da nina.
outros entendidos dizem que a automutilação acontece quando o sujeito vive numa extrema angústia, num tormento psíquico. estou quase virando “tudóloga”, aquela que se mete a entender de tudo sem saber rsrsrs. então já que nina era brutalizada pela (o)pressão da mãe, a moça fazia sangrar a pele. Há um momento em que ela arranca o pedaço da pele como querendo livrar-se do invólucro do corpo, da matéria, com se esta de nada valesse. ela queria arrancar a capa (pele) pra libertar-se do corpo denso e dançar com a fluidez e leveza do espírito. negócio difícil de entender. mas essa libertação é pela dor emocional. e ela só seria libertada pelo amor do príncipe (do lago dos cisnes) que louco de paixão, morre de amor antes de libertar a amada cisne-mulher.
na apresentação final do espetáculo nina consegue incorporar o cisne negro - a dualidade nossa de cada dia -que representa a sensualidade aprisionada por toda a raiva contida. o lado bom e o ruim. ela solta as amarras (pra não dizer as frangas) e dança entre ovações da platéia delirante ao ver que a bailarina consegue atingir a perfeição dos movimentos, a incorporação legítima de tudo o que ela acreditava precisar. dança, dança, dança e voa com a paixão no seu mais puro significado. dança até expor as vísceras sangrantes e raivosas. finalmente está apaziguada.
Quer saber de uma coisa, w.? acho que vc deve escrever um poema sobre os cisnes... de qualquer cor.
Beijocas
n.